sexta-feira, 13 de março de 2009

Murmúrios

O apartamento está na mais completa escuridão. Lá fora a chuva cai, forte, gelada. Ouça o rumorejar distante dos trovões. A cidade está silenciosa. Não há som algum dos outros apartamentos, há apenas o vento cantarolando na folhagem das árvores.

Tive um novo encontro com a morte estes dias. É triste perceber que o maior sinal de que estamos a envelhecer é o perder gradual de nossa família, mesmo que distante, mesmo que esquecida na cotidiana luta. Penso nas tias, tios, primos e primas que estavam no velório de minha vó, seus rostos envelhecidos, suas vozes fracas e melancólicas. Sei que agora, o tempo para eles, como para mim, é inevitável. E já o fim se assombra em suas vidas.

A chuva e o vento aumentam, a janela está aberta e sinto o ar gelado em meu corpo. Deixo a chuva molhar o chão da sala, não me incomodo. O único problema hoje é a gripe que toma meu corpo, que arranha minha garganta, maculando o gosto do tabaco que insisto em fumar para manter-me acordado, mesmo cansado, mesmo com os olhos ardendo.

Tomo um gole de vinho que desce amargo, amadeirado.

Faz tempo que não vou a uma igreja, faz tempo que sequer rezo um pai-nosso. Se estivesse procurando por salvação, estaria em uma igreja agora. Irônico.

Há uma vida lá fora da qual me obrigo a participar, mas por dentro, sinto-me oco. A hollow man, como bem definiria T.S.

Estou cansado e o sono não consegue dominar meu corpo. Estou cansado e a madrugada segue chuvosa, os trovões continuam a murmurar ao longe.

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