domingo, 1 de março de 2009

Pequenas histórias

Meu pai chorou quando seu pai, meu avô, morreu. Nunca vira meu pai chorar antes.

Lembro de meu avô morando em uma edícula, quarto, sala e banheiro, na sala, uma estante cheia de livros, inclusive uma gramática de um bisavô, pai da minha avó por parte de mãe. Meu avô falava dessa obra com orgulho, com orgulho de um de seus netos ser descendente do homem que fizera aquela gramática.

Mesmo com sua idade avançada, meu avô mantinha algo de aristocrático, algo que não era de sua origem, mas que tinha origem naquela irmandade, naquela família unida por laços literários e gramaticais.

Gostaria de ter conhecido meus avós melhor. O pai de minha mãe também partilhou da paixão pela linguagem. Até hoje é vendido um dicionário de português-italiano de sua autoria. Ele também trabalhou em uma fábrica de chapéus em Campinas. Acho que a fábrica ainda existe e se chama, ou chamava, Cury Chapéus. Uma vez fui lá e comprei um chapéu cinza, desses modelos que eram moda na década de cinquenta. O ambiente da fábrica era rústico, dava para sentir que o tempo de alguma forma não havia passado por ali, e poderia ver a qualquer momento meu avô, com seu imenso sorriso e olhos verdos a acenar-me de uma das máquinas de cortar.

Minha avó por parte de mãe escrevia sonetos, que sempre li com tristeza, na maioria ela relembrava momentos com seu marido, meu avô, outros eram quase preces, onde pedia para encontrá-lo no Paraíso. Alguns pediam ainda pela saúde e paz para a vida de minha mãe.

A mãe de meu pai tinha ascendência indígena muito próxima. Diziam que sua avó havia sido laçada por um português que a fez sua mulher. Era uma senhora de cabelos pretos, escorridos, que gostava de assistir Silvio Santos aos domingos.

Escrevo sobre eles, sobre meus avós, para reter algo de uma família que gostaria de ter tido mais presente, da qual eu me sentisse realmente um membro e não um pária a chorar sozinho no enterro de meu pai.

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Uma história que quase se perde. Minha mãe costumava contá-la. Quando eu era um bebê, com apenas alguns dias de vida, minha mãe e meu pai visitavam meus avós paternos. Eu estava em um dos quartos, supostamente dormindo. Meu pai cochilava na sala, quando percebeu um vulto, não, não era um vulto, era a presença de um irmão dele, que vergonhosamente não lembro agora, que havia morrido. Esta presença olhou para meu pai e entrou no quarto em que eu dormia.

Meu pai levantou assustado, ele sempre teve essa capacidade brasileira de ser caprichosamente carnal e ao mesmo tempo com um profundo respeito pelas idiossincrasias espirituais, chamou por minha mãe com uma ponta de temor em sua voz e entrou no quarto.

Esse meu tio estava ao lado do berço em que eu dormia, minha mãe diz que tanto ela como meu pai viram o espírito de meu tio. Eles se aproximaram do berço e eu estava com o rosto arroxeado, o cordão de uma chupeta apertava meu pescoço impedindo que eu respirasse.

Minha mãe sempre me contava essa história. Nunca duvidei dela. Pena não lembrar do nome desse meu tio. Mas quem sabe não o encontro do lado de lá?

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