quarta-feira, 18 de março de 2009

Cotidiano I

Dormir pouco, acordar pontualmente quatro horas depois de deitar, tomar banho, escovar os dentes, colocar roupas limpas e ir trabalhar.

Sair para a rua com o sol refletido em meus olhos castanhos, acender o primeiro cigarro do dia, a primeira tragada de fumaça, o trafegar de carros produzindo sons vigorosos que queimam meus tímpanos, pessoas que caminham sem olhar para os lados, sem perceber o glorioso raiar do cotidiano.

Cruzar com o guarda da rua, eterno em sua camisa azul escura, calças cinzas e sapatos pretos, a cuidar de sua guarita de plástico e das grandes casas envelhecidas que, sonolentas, despertam com o latido dos cachorros alvoraçados.

Um poodle, de um branco desgastado pela idade, leva para passear sua dona, todos os dias, todas as manhãs se aproxima de mim e fareja minhas pernas como se liberasse meu transitar por sua rua.

O ônibus com suas carga de trabalhadores, estudantes, vendilhões, aposentados, sonolentos, entediados, preocupados, traidos, amados, que dormem, que falam ao celular, que cantarolam desafinadamente, que conversam em voz alta, que ouvem o rudimentar diálogo entre o cobrador e o motorista.

Desço do coletivo (odeio essa palavra!), compro o jornal de esportes, cuja leitura dura o tempo entre a estação onde embarco até o trabalho.

O trajeto do trem é sempre um momento de nostalgia, de quando criança e era comum viajar entre os estados em trens noturnos, cujas viagens eram mais curiosas, mais sensoriais do que os voos rápidos e conturbados e pseudo-práticos de hoje.

O trabalho é uma mistura de tédio com o caos, uma batalha entre o cotidiano e a incerteza, uma corrida alucinada dentro de uma roda a girar dentro de uma gaiola gradeada. Elevar o sentido do cotidiano é o que considero meu trabalho, fazer com que os que estão à minha volta não se deixem cair pelo brutal e cotidiano massacre. Fazer com que percebam que há sutileza nesse cotidiano, que há aprendizado e alegria mesmo nos momentos mais complicados.

Os melhores dias são aqueles em que sinto-me especialmente esgotado, em que a demanda das pessoas me torna útil e sou capaz de manter o curso mesmo quando tudo parece fora de controle.

Os piores dias são aqueles onde não há desafios, decisões difíceis ou resta apenas o burocrático. Nesses dias o que me esgota é o tédio.

Um comentário:

  1. Opa, caí aqui. Juro que não é perseguição, só curiosidade. Gostei muito dessas frases:
    "O trabalho é uma mistura de tédio com o caos, uma batalha entre o cotidiano e a incerteza, uma corrida alucinada dentro de uma roda a girar dentro de uma gaiola gradeada. Elevar o sentido do cotidiano é o que considero meu trabalho, fazer com que os que estão à minha volta não se deixem cair pelo brutal e cotidiano massacre. Fazer com que percebam que há sutileza nesse cotidiano, que há aprendizado e alegria mesmo nos momentos mais complicados."
    Ao pé do relato quase jornalístico, do turbilhão da rotina, vê-se alguém que vê sentido no dia-a-dia, mesmo que tonto pela violência das coisas mais cotidianas.
    E como foi seu dia do rock? Fizeram uma vitrine bacana?
    Chega de alugar os outros! Abç!

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