sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Inocência

Meu pai transformou-me em um covarde. Sei que parece cruel jogar a culpa disso no velho, mas não há como negar: se covarde sou, é por conta de sua sombra.

Minha covardia disfarçada, fantasiada, assume ares de inconsequência, solidão e um áspero trato pessoal. Mas basta uma crítica, um olhar de cobrança, uma bem colocada arbritariedade para me deixar trêmulo, com o coração disparado e começo a gaguejar irritantemente e de forma constrangedora.

Minha mãe, costumava me contar de brigas e violências de seu casamento com meu pai. Ambos jovens e bonitos, minha mãe era pequena, morena, cabelos crespos e lábios cheio. Meu pai alto, apesar de um pouco curvado possuía ombros largos e um olhar perscrutador. Ciumentos e apaixonados, violentos e carinhosos, seu casamento de poucos anos gerou um filho abortado em uma surra, roupas rasgadas e jogadas pela janela, e brigas e mais brigas movidas por cachaça (a bebida preferida de meu pai por muitos anos) e outras diversões setentistas. Além disso, e talvez mais importante, porque nutri há tempos este estranho instinto de sobrevivência, essa busca por uma proteção inexistente, uma insegurança constante e que deve ser mantida a qualquer preço, mesmo que seja necessário uma dose de canalhice (sim, sou um canalha nelson rodriguiano!) e prostituição moral.

Quando comecei a temer meu pai? Quando comecei a acreditar que amor paterno é baseado em rancor, disputa, terror? Por quê, instintiva e rancorosamente, resolve vingar-me das surras que minha mãe me dava em outras mulheres? Por quê, covardemente, sujeito-me às figuras paternalistas, medíocres, sujeitando-me a submissões e rancores internos?

Chego a delirar nestes momentos. Creio-me fruto de um amor brutal, apaixonado, mas temível e vil. Para cada ato de carinho envolvendo meus pais, sinto a dor de um tapa, o medo no olhar, a angústia de não saber quando a violência iria explodir e arrebentar a carne da inocência.