A casa era pequena e velha. As paredes estavam sujas, rabiscadas com frases, pedaços de reboco caídos. O chão da casa era de cimento, frio, cinza e rachado. Uma pequena sala, um quarto com a janela quebrada, plástico servia como vidro. Uma cômoda antiga, mofada, com roupas dadas por outros parentes e puídas, já com o cheiro que impregna a roupa dos velhos. A cama, de solteiro, pequena, triste.
No outro quarto papéis entulhados, revistas antigas sobre uma armação de cavaletes onde uma placa de propaganda política se passava por mesa. O ármario estava sem porta, as roupas jogadas, misturadas, sem saber se sujas ou limpas faziam sentido ali.
O banheiro, uma pia, uma privada, o chuveiro. Tudo reduzido, comprimido, úmido.
Uma antiga geladeira marrom e um fogão eram a cozinha. Ladrinhos vermelhos e gastos, a parte de cima desses móveis de cozinha estava preso a parede, era, como tudo, gasto e envelhecido.
As roupas eram lavadas em um tanque de pedra, na verdade, os únicos aparelhos elétricos da casa resumiam-se à velha geladeira marrom e a um rádio. Do rádio saiam músicas que faziam minha mãe chorar pelo que a vida cobrou dela. Pelo que agora, cobra de mim.
Minha mãe e meu irmão viviam nessa casa. O dinheiro e as condições de vida eram miseráveis. A casa ao lado era a casa em que morávamos há um tempo que parece tão longe. Tão triste. Esta casa, branca, com três quartos e mais uma edícula onde eu morava, foi o último lar que tive. A última vez em que "voltar para casa" fez algum sentido. Agora ela nada mais era do que ruínas, uma ruína do que fui. Como um antigo templo, ela fora saqueada, portas roubadas, coisas que pensamos ser sem valor sumiram na noite. Ratos infestavam essa casa, e viviam a rondar e aparecer na pequena e velha casa onde agora minha mãe e meu irmão viviam.
Desde que saí da cidade de minha mãe, nunca mais a visitei. Nunca procurei saber quais suas condições de vida ou penúrias ou medos ou angústias ou arrependimentos.
Andando nos arredores de meu apartamento, nesta cidade que adotei, passei por uma velha. Uma pessoa que reconheci poucos passos antes. A rugas eram profundas, o olhar, perdido, vazio, não tenho outra palavra para usar. Era tristeza o que via ali. Eu a reconheci e passei por ela. Esmagado, covarde. Passei dois passos, virei-me e com a voz trêmula falei: "Mãe?!"
Isso foi alguns anos antes da casa velha e pequena. A casa onde moravam minha mãe e meu irmão e que nunca fora visitar.
Minha mãe foi internada no hospital com hemorragia interna. Recebi o telefonema e tudo ficou nulo, de alguma forma, tudo ficou branco, vazio.
Ela estava em uma UTI, um tubo enfiado em sua boca havia deformava seu rosto enrugado. Deitada eu uma cama de metal as mãos inchadas e roxas por causa das agulhas de soro e remédios estava uma criança indefesa. Temi cada passo até o leito. Tremia ao ver minha mãe ali. Ela abriu os olhos e minha garganta fechou, meus olhos derramavam lágrimas quentes, ardidas. Eu convulsionava e só conseguia pedir perdão, perdão por ter sido um filho ausente e frio, por ter sido menos que um filho. E ali, naquele momento, aquela pessoa que tanto me fizera sofrer, que me espancava em seus momentos de fúria e alucinação, que tão pouco me confortou, ergueu sua mão inchada, olhou meu tormento com seus olhos de criança e com a voz por entre os lábios secos apenas disse "Não, meu filho, meu filhinho, não chore, mamãe está bem, não chore, não chore..."